A crônica do primeiro encontro
Manhã de quarta-feira, dia 26 de
fevereiro de 2014. Pouco depois das 9h da manhã, tive a honra de conhecer mais
um pedaço da cidade de João Pessoa. O trajeto começou sem roteiro, a partir da
Praça Antenor Navarro, no Centro Histórico. Começamos a andar em direção à
comunidade, passando na frente do Hotel Globo – um importante ponto turístico
conhecido por inúmeros visitantes espalhados em todo o Brasil, que atualmente
se encontra abandonado pela Prefeitura Municipal da cidade de João Pessoa. Foi
de bermuda, sandália e caderno na mão, que desci a ladeira com meus colegas do
Curso de Jornalismo da UFPB, para mais uma fantástica experiência de campo, bem
no coração da cidade.
Éramos 9. Cada um com a sua
liberdade para focar na comunidade e compartilhar suas experiências no lugar. Ainda
que escolhêssemos contar as mesmas histórias, ambas teriam diferentes
organizações. De qualquer forma, teríamos nove visões, de diferentes pontos de
vista. E lá estávamos, pisando nos trilhos do trem que corta a comunidade,
somando com as outras mil belezas daquele lugar. Uma cegueira me consumia e eu
seguia caminhando, passando despercebido e despercebendo as inúmeras histórias
que eu poderia contar. Eu não estava totalmente disperso, mas eu não conseguia
pensar em outra coisa, a não ser chegar até a margem do rio. Andei com o feeling jornalístico desligado. Tudo
que eu queria era pisar na madeira do Píer, para descarregar a minha ansiedade
e tentar produzir. Eu estava pensando muito no que fazer; no que reportar; e em
que história contar. Nada me chamava
mais atenção, do que a empolgação dos meus colegas. Logo me vi conectado nos
olhos e nos passos dos meus colegas jornalistas.
Seguimos nas ruas estreitas do
bairro e de cara fiquei surpreso com o movimento daquela comunidade. Passamos
por uma antiga madeireira ainda em funcionamento no Porto do Capim, que chamava
atenção devido seu intenso movimento de trabalhadores descarregando madeiras de
enormes carretas - a qual ficamos imaginando: “como aquele grande veículo
conseguia transitar naquelas ruas estreitas do Porto?”. Enfim... seguimos.
Passamos pela capelinha do bairro,
pequenos comércios que funcionavam no local, conversamos com moradores, e aos
poucos, fui me sentindo inserido na comunidade. Logo chegamos à casa da Cida,
filha de um conhecido pescador – um dos moradores mais antigos do Bairro.
Chegando mais perto do rio, nos deparamos com um catador de caranguejo que
acabava de chegar de uma coleta. Ele segurava um saco de estopa, cheio de
caranguejos graúdos. O homem fez questão de mostrar a qualidade dos animais que
capturou. Perguntamos sobre o mangue e até que ponto a natureza era generosa
com os pescadores, com relação à produção e reprodução desses animais acerca no
mangue, e ele afirmou com todas as letras: “Esse mangue é rico demais, e isso
aqui não acaba nunca.”
Á estávamos diante do rio, e no
canto direito da margem, conhecemos o Sr. Cosmo, o pai da Cida. Ele estava
pintando um barco e começou a nos contar um pouco da história da comunidade.
Pareceu frações de segundos, e passaram minutos. O papo estava agradável, e
logo o pescador terminou de pintar o seu barco enquanto papeávamos sobre a vida
no Porto.
Os
planos frustrados e desencontros no Porto
O
sol já fazia surgir algumas sombras na comunidade que eu me aproximava andando
em sua direção, descendo o alto da Ladeira do Hotel Globo. O rio chamou a minha
atenção de um jeito, que fui direto ao encontro de suas margens, nas
proximidades da casa do Sr. Cosmo - personagem que citei nos relatos da
primeira vista ao porto. Uma das minhas pretensões, era entrevistar a filha do
aposentado, Cida, para contar a história da família – uma das maiores do Porto
do Capim. Mas não dei sorte. Quando cheguei próximo ao portão, Cida estava indo
ao posto médico para vacinar os filhos e sobrinhos, e ainda ia pagar uma conta.
Esperei ela retornar passeando pelo bairro, em passos lentos, e depois de duas
horas a filha do Sr. Cosmo retornava, cansada e bem atrasada, pois ainda
cuidaria de almoço. Ela não pôde me receber. Me deu um copo d’água, e a partir
daí foi eu e Deus na busca de alguém disposto a contar boas histórias.
Quando
eu estava retornando da casa da Cida, encontrei um idoso e perguntei seu nome.
Parecia ter boas histórias pra contar, mas estava bem apressado. Trocamos
algumas palavras. Se tratava de um mais um cidadão do Porto do Capim chamado
Cosmo. Perguntei se ele tinha algum laço familiar com o Sr. Cosmo que eu já
conhecia, e ele disse ser irmão do Cosmo que morava mais próximo ao rio.
Marquei de encontra-lo horas mais tarde, quando ele retornasse de uma entrega
que tinha que fazer no centro da cidade de Joao Pessoa, onde deixaria todos os
caranguejos que pegara no mangue naquela manhã de sábado. Esperei.
Sr.
Cosmo não teve muita sorte. Quando ele retornou, ainda carregava a mesma sacola
com os caranguejos que saiu para entregar. Quando o abordei, eu estava bem em
frente à sua casa e ele disse que não poderia conversar comigo. “Tive uma manhã
muito ruim. Volte outra hora, tudo bem? Agora vou entrar e cuidar de almoço.”,
disse o Sr. Cosmo, aparentemente bem cansado da suposta viagem perdida que
parecia ter dado naquela manhã quente.
Não
tive muita sorte. Resolvi procurar o Sr. Lagoa – um conhecido morador da
comunidade do Capim. Perguntei à três pessoas, e todas elas conheciam o
simpático senhor da casa azul. Me aproximei da casa, e ele estava no terraço,
com os braços entre os espaços da grade, todo arrumado. Lagoa estava de saída e
também não pôde nos atender, pois já estava atrasado. Iria passar toda a manhã
fora. Mais uma vez, um almejado personagem do Porto escorregou nas surpresas do
cotidiano, me deixando mais uma vez com as folhas em branco. Escrevi meu nome
umas duas vezes no papel, me estressei, risquei até ficar ilegível e fui em
direção ao rio, que sempre me recebeu muito bem. Tentei imaginar a fotografia
daquela margem antes da formação da comunidade. Também pensei nos possíveis
planos existentes para aquele rio, de competência da prefeitura municipal de
João Pessoa, que obtinha projetos de reestruturação e recuperação daquela área.
Meu dia no Porto acabou ali.
A vida na comunidade segundo Antônio Esídio
18
de março de 2014. Cheguei no Porto do Capim sozinho às 10h da manhã na
tentativa de encontrar o Sr. Lagoa em casa. Não quebrei a cara, porque ele me
avisou na visita anterior que estaria trabalhando na feira nos dias de semana,
caso eu resolvesse voltar entre a segunda e sexta-feira.
Eu
estava passando na frente de um galpão abandonado quando parei para pedir
informações à um homem que estava subindo na grade que isola os trilhos do
Porto. Perguntei se ele conhecia algum antigo morador naquelas proximidades e
ele me mandou procurar o Antônio Esídio, que morava duas casas antes da casa do
Sr. Lagoa. Bati palmas na frente da casa do pé de goiabeira, e ele mesmo me
atendeu.
Antônio
Esídio da Silva nasceu no dia 15 de março e tem 74 anos, e há 57, é casado com
dona Maria de Lourdes de Melo Silva. O filho de Manuel Esídio da Silva e Dona
Antônia Laurentina dos Santos, foi morar no Porto do Capim quando tinha
aproximadamente 14 anos de idade. Mas ainda criança, já frequentava o lugar na
companhia do pai. Segundo o aposentado, seu pai já trabalhava no Porto quando construiu
a primeira casa do lugar. “Existia muitos quartos no Porto, conhecido como os
quartos de coco de Antônio Tavares, e muitos moradores já alugavam esses
quartos, quando o meu pai, na época, construiu a primeira do Porto casa para
uma mulher conhecida como Dona Preta.”, lembrou o aposentado. A partir daí o
bairro teria começado a ser ocupado por pessoas que vinham de muitos bairros, e
ele citou como exemplo o bairro de Livramento.
Na
gestão de Damásio Franca, por volta de 1966 à março de 1971, Antônio Esídio
recebeu o terreno da prefeitura para construir sua casa, e ele teria que
respeitar as delimitações impostas pela prefeitura referente ao espaço que as
casas deveriam ter naquele local. Antônio Esídio disse ter dividido o terreno com
dois amigos, o Sr. Lagoa, e seu finado compadre Panela, que faleceu no bairro
de Bayeux. Depois de um ano já morando no lugar, que o Sr. Lagoa veio fazer parte
da comunidade também como morador. A energia demorou um pouco a chegar. Cerca
de um ano depois. A água, ele faz questão de lembrar que foi ele, junto com seu
amigo Lagoa, que cavou incansavelmente até encontrá-la. “Quem cavou pra botar
água aqui foi eu e meu amigo Lagoa. A gente ia trabalhar e quando voltava,
cavávamos sozinhos”, disse Esídio não esquecendo do seu companheiro de luta.
O
homem tem uma postura admirável. Ele não só mora, como sempre tomou conta, e
até hoje se preocupa com as imprevisíveis mudanças que o Porto do Capim ainda
pode sofrer. Esídio falou da invasão dos galpões abandonados, gente que abriu
comercio e até igreja, bem na frente de sua casa. Sr. Esídio é um bom homem.
Esperei ele tocar no assunto no que diz respeito aos planos da Prefeitura de
João Pessoa e projetos ligados à restruturação e recuperação daquele espaço,
que hoje, é uma comunidade gigantesca. “Eles querem alugar a minha casa. O
vereador Fuba disse que muitos turistas vão passar por aqui”, disse o Sr.
Esídio, acreditando que a intensão da prefeitura é se aproveitar da sua casa,
na qual ele investiu todo o dinheiro que ganhara na vida. Ficou claro que o
povo, representado por aquele senhor, não sabe sequer, as reais pretensões da
prefeitura. Só sabem que querem expulsá-los da área. Retirá-los do mangue, como
se fossem caranguejos.
Dezenove
filhos. Oito vivos. Nove morreram de sarampo ainda crianças - com cinco, seis,
sete e até oito anos de idade, devido a vulnerabilidade de suas condições de
vida, numa época em que não exista tanta campanha de vacina. Sr. Esídio e Dona Maria
de Lourdes, ainda perderam uma filha recém nascida em um hospital na Cidade de
João Pessoa. O motivo da morte da menina, teria sido uma imprudência gravíssima
de uma enfermeira, que teria cortado o cordão umbilical da menina muito rente
ao corpo. A criança, segundo ele, sangrou até morrer. Emocionado, Sr. Esídio
lamenta com lágrimas nos olhos o fato de ter perdido sua filha ainda tão
pequena. “Mas rapaz... mataram minha filha. Eu vi ela sangrando pelo umbigo.”,
disse ele. O outro filho falecido do casal, teve a vida ceifada no serviço. O
homem que trabalhava de dia e de noite, morreu numa madrugada com a farda de
vigia.
Sr.
Antônio Esídio merecia levar uma vida digna, e menos perturbadora. Já sofrera
muito mendigando paz, e momentos de felicidades, sem saber ao certo o destino
de sua família. “Um negócio que eu não tenho medo, é de morrer. Ninguém nasceu
pra semente”. Compreendi que ele quis dizer, que, quando chegar a hora dele,
ele vai sem medo. Ressaltou que não sai do Porto do Capim, nem da casa que
sempre morou. “Vendi até um terreno que eu tinha para ser enterrado no
Cemitério Boa Sentença, além de ter pedido empréstimo para poder construir
minha casa”, disse ele.
“O Porto do Capim deveria ter um calçamento muito bacana. A prefeitura deveria fazer divertimento para as crianças. Faz 44 anos que eu moro aqui e queria ver esse lugar bem cuidado. Daqui eu não saio. Gosto de morar aqui. Vou ficar, e, esperar a prefeitura passar o trator por cima da casa e, por cima de mim. Mas sair, pra receber uma casa que não vale um terço da minha, eu não saio.”, terminou o aposentado.