Escolhi o dia errado para pegar um ônibus. O 5605 nunca demorou tanto na história do Brasil. Vi seis coletivos passando lentamente com um letreiro improvisado que dizia: "ESTÁDIO". E eu sem entender porra nenhuma. Só então me dei conta que além de ser um dia de domingo, era um domingo de jogo decisivo para o Botafogo (um importante time de futebol do estado da Paraíba). Foram quatro "303", quatro "2010", três "2515", e quando a paciência já tinha indo embora junto com as unhas e algumas pontas de dedos, apareceu do além, um bendito "5605" - o tão esperado ônibus do shopping. Mas antes disso...
Nos primeiros quinze minutos de espera, vi todas as pessoas que estavam no ponto de ônibus tomarem seus rumos. Percebi que eu era o único paciente à espera de um coletivo. Muitos subiram a rua da antiga Fava do Negão, para pegar o coletivo na Avenida Josefa Taveira, onde não demorava tanto a passar ônibus nos finais de semana. Nem pensei nisso. Minha paciência dizia: "Calma, não vai demorar."
Só sabe bem o que é sofrer, quem depende de coletivo nessa cidade de João Pessoa. Ainda mais nos domingos e feriados. |
Trinta minutos depois sinto uma respiração forte na minha orelha direita (Lado oposto do que eu estava olhando), virei lentamente e quase mancho as calças quando me dou conta de quem era o dono da respiração. Um Pitbull, ou melhor, uma Pitbull. Fiquei tão nervoso que nem reparei na distinção de peitos e culhões. Só pensei que aquela porra ia arrancar minha cabeça, independente de ser macho ou fêmea. Engoli seco. A cadela olhou pra mim com cara de felicidade e me deu uma lambida na cara. Correu como se eu fosse agredi-la. (eca. mas antes uma lambida na cara que o sangue escorrendo no pescoço). Passeia a mão no rosto e fiquei olhando pra onde porra ia aquela cadela. Ela ficou perambulando pela Alfredo Ferreira Rocha, assustando todos que passavam no local. A cadela cruzava a avenida como se tivesse passeando na areia da praia, tranquila, e quase acontece uma fatalidade no asfalto. Uma voz surge do nada: "BELAAA", gritava um homem que descia a rua. Era o dono da cadela que escapara de ser atropelada por um ônibus que vinha no sentido contrário ao que eu estava. O homem gritou mais uma vez: "BELA, PASSA PRA CASA!". O animal parecia querer se aventurar mais um pouco e continuou correndo, subindo uma outra rua. Logo, perdi a cadela e o homem de vista, e assim passaram quinze longos minutos.
Minha paciência parecia ter subido a rua junto com a cadela. Minhas pernas estavam dormentes e eu já não aguentava mais esperar. Pensei em voltar em casa e pegar o carro, mas algo dizia dentro de mim: "Calma boy. Deixa de tuas pressas que final de semana é assim mesmo. Ele ta já passando!". Esperei. Comecei a jogar paciência no celular, e matei mais quinze minutos. Eu já havia mudado de posição milhares de vezes. Comecei a pensar em café e minha cabeça começou a doer. Lembrei que o último gole que tomei foi na sexta-feira. Comecei a imaginar besteiras. Até que minha vista ficou mais embaçada ainda, com o entardecer.
Uma hora e dezesseis minutos depois, vejo um busão, que não era "ESTÁDIO", dobrar a rua da esquina da Panorâmica. Levantei. Estiquei as pernas e dei a mão. Era enfim, o ônibus do shopping. Subi. Fiz a péssima escolha de sentar nas cadeiras da frente. Odeio ver crianças sentadas quando tem um monte de idosos de pé. Testei algumas criaturas sem noção que estavam no coletivo, mas vi que não ia adiantar muito. Pontos depois uma senhora linda entrou pela porta da frente e sorriu pra mim. Sorri de volta, e dei meu assento para aquela mulher. Ela sentou. A senhora tinha uns olhos verdes escondidos na pele enrugada, cabelos bem brancos, meio lisos, roupas folgadas, e nenhum pingo de vaidade exagerada. Estava imaginando como aquela velha senhora deve ter sido uma jovem de tirar o fôlego de muitos jovens. Admirei a beleza daquela senhora. A dor de cabeça passou junto com o estresse, que nem reparei no tempo que fiquei no coletivo. Pedi parada. Desci.
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